1/27/2017

A vida é uma máquina de lavar a roupa

Quando compras uma máquina de lavar a roupa, tudo corre bem durante uns tempo. Aquilo anda à volta, faz pouco barulho, a roupa sai de lá limpinha e agradeces à tecnologia que não precisas dum tanque, dum sabão azul e força de braços. Como na vida, as coisas vão correndo e funcionando assim como se vai acertando numa monótona mas saudável rotina.

Passado uns anos, entope uma vez ou outra, faz um bocadinho de barulho, mas carregas nuns botões e mexes nuns fios e aquilo volta ao normal e sentes-te muito macho porque arranjaste cenas e sentes que tudo dependo do teu trabalho intenso. Como na vida, vão acontecendo alguns percalços, mas com uma discussão ou outra, uma ideia ou iniciativa e resolves os berbicachos do dia a dia.

Depois, há um certo dia, em que a máquina começa a avisar que nada está bem. Um erro F18, depois um F19, a porta que bloqueia, uma inundação na cozinha, e dás por ti deitado numa poça em casa, a pedir um rim novo e a ficares com a mão presa no filtro que nem sabias onde estava. Pedes ajuda profissional porque já não consegues fingir que sabes arranjar a coisa, só que custa o preço duma máquina nova e não te garantem que fica a funcionar. Como na vida, nada corre como planeado e quando pensas que já passaste por tudo, lá vem mais um problema e que vais precisar de ajuda profissional para resolver.

A vida é assim, resolves e andas para a frente, apanhas as pedras e fazes um castelo como diz o outro.

O problema desses poetas é que não tinham 6 pessoas de caganeira na mesma casa, roupa de uma semana por lavar, uma cadela que larga mais pelo do que tem, o que é impossível mas acontece, e uma mistura de necessidades humanas divididas por 6 pessoas todas diferentes e com feitios diferentes e reivindicações diferentes e coisas que te fazem querer fugir e voltar uma semana depois. Uns acordam às 6, outros as 7 e outros às 8. Uns têm fralda, outros não têm mas deviam ter. Uns escolhem roupa outros estão a roubar comida. Uma epopeia romântica mas dantesca que é a vida familiar.

Foi então que descobri as lavandarias automáticas. Tem wi-fi gratuito, conversa de bairro que tanto gosto, café ao lado, uma mesa para trabalhar, e uma paz que poucas pessoas percebem. Como na vida, há que saber que algumas vezes, em vez de enfrentar um problema, tem que arranjar uma razão para ir dar uma volta e arejar.

As pessoas pensam que os electrodomésticas são maquinas impessoais, mas se olharmos bem são lições de vida. E neste momento a minha vida é uma máquina de lavar a roupa.

1/25/2017

tão natural como a sua sede ou só o melhor da vida

Há coisas que a natureza não explica: explicam-se pela natureza (da coisa). A Tânia connosco é isso mesmo.

Quando digo que tenho uma filha de 21 o lado de lá tipicamente baralha-se. Quando tem coragem, devolve com a pergunta da minha idade e eu, não vou de modas, e respondo de volta os meus 33. Se ficarmos juntos segundos depois disso, veremos uma expressão de alguém com um nó no cérebro a tentar decifrar onde se enganou na conta. E eu sorridente, dependendo do dia, olho com ar de quem lê mentes: outros tempos, idades loucas - e abandono a cena divertida.

Se foram outros tempos eu não sei, e até gostava que tivessem sido todos meus, a verdade é que a loucura da vida foi quem nos juntou e à qual não tirava nadinha. A minha tanica é minha e hoje já ninguém de fora consegue imaginar, sem contas de cor, que ela não nasceu de mim. Até somos parecidas, dizem por aí e eu toda orgulhosa.

Mas sobre isto até já tinha escrito. O que não digo, e devia dizer mais vezes, é o papelão que têm eles irmãos na vida uns dos outros.
Ainda que com idades diferentes eles são referências uns para os outros, exactamente como devia ser. E procuram uns nos outros o que vão precisando (e o que são): calma, descargas, mimos, gostos e crescimento. E eu babo-me de ver.


tem de ser isto o melhor da vida, tem de pelo menos fazer parte da lista dos top.

E as cenas são infinitas, diárias e irrepetiveis: são deliciosas. 

O manel e a tanica que saem para ir os dois de metro às amoreiras. vão delirantes de mão dada e voltam com uma alegria que quem fez tudo o que queria.

O chá de scones e grandes conversas em que apanho a tanica e o zé, no domingo de manhã, com os restos do lanche do dia anterior.

Quando o xavier berra e o manel ao lado diz calma e docemente "não chora xavi, se não quer que a mãe tira a roupa diz à mãe e ela não tira.", e ele cala-se a olhar derretido para ele.

Deixar o zé e o xavier na banheira a ouvir musica e apanha-los segundos depois a dançar.

Pedir à tanica que olhe por um deles, e ela não só faz isso, como em segundos já pendurou um papel de cenário em qualquer lado e estão a fazer pinturas.

O manel que madruga e vai em pés de algodão acordar o zé para descerem juntos ver desenhos animados.

e ficava aqui a noite toda.... 


1/18/2017

ele não chora, berra

A história é simples: ele não chora, berra.

Não sei como nem porquê, não percebo o que quer e não acho que o trate de maneira diferente: mas ele teima em não me poupar aos berros. Quer colo, e manha e nem sequer é simpático para que lhe dê isso tudo. Estimulo que a que dê beijinhos, a que diga obrigada, adeus e tudo mais: mas ele nada.

Ponho-me a pensar e a única coisa de mais diferente que possa ter feito foi tê-lo largado mais vezes para sair com os outros 3: será disso? Uma mãe sente culpa de todas as coisas más que acontecem na vida deles, mesmo que seja uma culpa irracional. A verdade é que o larguei mais vezes, mas não podemos dizer ainda assim que tenha sido em exagero: ou terá sido? Fico confusa, e até baralhada, ao fim de um dia caótico como o de hoje em que até a dormir ele precisa de precisar de mim: até a dormir. O joka não está, por uma questão de sobrevivência deitei-o comigo, e ele de duas em duas horas, ainda que deitado mesmo ao meu lado, estica a mão para sentir que estou ali. Da primeira até achei querido, mas quando devolvo de volta o gesto e lhe dou a mão: afasta-me, nem quer saber de mimo.


O mundo não vê nada disto e a malta amiga que me vê tantas vezes com ele ao colo e até com ar querido e paciente (como os de amor inesgotável), dizem-me: "vê logo que ele é o preferido". É de loucos, mas ao mesmo tempo descansa-me passar a imagem de tanto amor, sendo que tantas vezes tudo o que me apetece é deita-lo pela janela.

1/16/2017

Filhos internados ou bebes no hospital, devia ser proibido

Fui hoje almoçar com uma amiga que tem o filho bebé internado no hospital - dureza.
A vida quando temos alguém no hospital piora exponencialmente, mais ainda um filho.
 
Só nos aconteceu uma vez há três anos. Depois do natal e  na vespera de um casamento decidi levar o zé à urgência,  estava meio ranhoso, e ia deixar-lo com a minha mãe queria confirmar que não deixava uma bomba relógio. Supresa das surpresas quando me disseram que tava com uma bronquiolite, oxigénio em baixo e tinha de ali ficar. Raios, não achei que tivesse assim tão mal - não tava, acreditei. Um ano e meio e está claro ficamos os dois, não o largaria por nada (mesmo que tivesse 21). A coisa não era grave e eu sismei que era pura birra da malta do hospital,  ele tava fixe -para mim estão sempre, mas segui as regras e la ficamos entre bombadas de ventilan r oxigénio. Dormia lá depois ficava uma manhã ou uma tarde e o João revesava; No trabalho foram impecáveis e disseram-me que tirasse o tempo que precisasse, não estava psicologicamente preparada para por um outof office por tempo inderterminado, decidi não por e passar por lá duas horas por dia a despachar o essencial. Acho que decidi isso também para manter a sanidade, ainda que sem saber bem. Ele estava bem, ranhoso, mas bem.
Já eu, claramente não sabia lidar bem com aquilo e tinha postura de cão de guarda, não deixava que lhe fizessem nada sem eu ver e refutava todos os problemas que eles identificavam - a loucura da mãe. Nunca foi muito grave, nunca tive muito preocupada - tivemos muita sorte.
 
Passados 6 dias voltou para casa e nunca mais aconteceu com nenhum. Temos muita sorte.
 
Hoje fui visitar a minha amiga e sabendo o duro que foi para mim uma coisa tão basica como uma porcaria duma bronquiolite, passei o dia a pensar no duro que será para ela cujo filho está um bocadinho pior. Eles são rijos e dão a volta muito melhor que nós, mas até la é dureza.
 
Se houvesse alguma maneira de aliviar isso seria tão bom. Não há. Por isso, até que saia de lá, temos almoço marcado uma vez por semana. Não vai resolver mas estamos juntas.
 
A todos os pais com filhos internados, um beijo deste lado.
 

1/11/2017

Como começar a escrever tudo sem que seja confuso?





Como começar a escrever tudo sem que seja confuso? Não sei, até eu estou muito confusa...confusa na medida em que as pessoas que fazem verdadeiramente voluntariado falam sempre da situação de nos prepararmos bem psicologicamente porque depois a dita aterragem é difícil, é sempre, eu sei, mas cada um reage de forma diferente e por mais que se faça várias vezes, essa aterragem vai sempre ser diferente. Por isso não sei como me preparar, nunca soube, mas o que faço e tento muito, é ir com noção de que independentemente de tudo, vou dar e dar, vou facilitar o que está a complicar, vou estar só.
E foi o que tentei fazer nestas férias de família em salamanca, onde estivemos a viver em familia, que em vez de 6, fomos o dobro ou o triplo. Desses, dos dobro ou triplo, vi muitos e dei-me, entreguei-me a todos, mas houve um que me entreguei naturalmente, chama-se Sebas.
Lembro-me que ao prncipio tentava comunicar e meter-me com o sebas, mas eu passava-lhe ao lado e só pensava, "este sacana que tanto quero conhecer, nem olha para mim", depois lá me foi falando, disse-lhe que gostava do Barcelona, riu-se e foi-se embora. Nem sei quem são os jogadores mas, por ele passei a saber, e ainda vi jogos com ele mais tarde, vi jogadores, aprendi e assim estava mais próxima dele. Fiquei mesmo muito feliz porque sentia que estava a dar de mim, mas a receber bem mais, só de lembrar do riso de felicidade e espontaneo do sebas, já só quero voltar.
O sebas tem 14 anos e não gosta de confusões, pelo que entendi tem asperger, mas não me quis muito focar nisso porque antes da doença, é uma criança com as suas manias, os seus medos e as felicidades. Quis conhecer o sebas , não gosta nada de ir, por exemplo, ao cinema porque é muito confuso para ele e pessoas novas, não gosta e sente-se perdido. Houve um dia do teatro para todos que os meus pais ofereceram, o sebas disse logo que não ia, mas a Rita disse-lhe que caso ele  uisesse vir embora que vinha com a Pati (uma monitora), lá entrou, sentei-me ao lado dele caso  osse preciso alguma coisa e pudesse transmitir-lhe que estava tudo bem, aguentou meia hora e disse-me que queria sair dali, disse-lhe claro e que ia dizer à Pati, mas ele pediu-me que fosse eu com ele, então fui eu. Fomos lá para fora e os dois calados, não sabia o que fazer, se falar, ele podia estar muito stressado e isso ia piorar, se ficarmos no silêncio, até a mim a situação estava a stressar e a ele podia transmitir-lhe insegurança, decidi que ia falar pouco e dizer coisas que o fizessem distrair. Para não falar de todo o tema espanhol português, sim porque o meu espanhol é português, talvez nem chegue a portunhol. Assim que abri a boca, começa o sebas a falar e não se cala, só me ria, nervos à mistura com felicidade de ele estar bem, falei-lhe da lua, ele fala-me de todas as bandeiras com uma lua e estrelas e no meio destes ensinamentos "cravou-me" duas que ele tanto queria, disse-lhe que sim, ia fazer os possíveis. Naquele momento só queria continuar a ver a felicidade e o bem-estar dele, só isso.

E assim a nossa relação se foi construindo e ele aos poucos deixava-me fazer parte do dia-a-dia dele, como eu fazia questão que ele fizesse parte do meu.

Joguei à bola uma manhã inteira com o sebas e o zé Maria, eu e o zé contra ele, coitada de mim e do zé que ou só fugiamos da bola e lá era golo - eu já só olhava para a cozinha a pensar quando é que alguém nos chama para o almoço que eu já não aguento estas corridas de lá e pra cá-, segundos com a bola nos pés, uma hora atrás do sebas, a outra alternativa também foi pôr
o zé à baliza, defendeu algumas coitado, outras o sebas continha-se e assim dava para eu recuperar, lá acabou e mais uma vez estava o sebas feliz e se ele estava eu tava pelos dois.


Já aterrei, mas ainda me lembro muito no meu dia-a-dia do sebas, faz-me falta poder cuidar de alguém que não pede, mas que precisa; faz-me falta ter pessoas à minha volta como o sebas que me transmitam que sou capaz de dar, basta saber estar; Faz-me falta o sebas só porque sei que ele vai estar ali, feliz eu sei, mas queria ter deixado ainda mais de mim.


escrito por tanica mas carregado por sua mãe

1/08/2017

sobre o que fica

chega-se e todos querem saber como foi, nós próprios tentamos resumir a cena na cabeça para arrumar ideias e seguir. Acontece sempre que se faz uma grande viagem, uma grande aventura. Assim é, tem sido.

e como foi?
Foi como esperado, e melhor. Foi chegar e viver com os que lá vivem, da maneira que vivem, e conhecermo-nos melhor. Eles mais pequenos chegam primeiro aos outros mais pequenos e nós

seguimos - o xavier nunca chegou muito lá na verdade. é dos berros, não foi grande espingarda nos afetos. Conhecemos cada um, vamos sabendo das duras histórias que os levam ali e nasce uma espécie de amor e sentido de provecção por cada um. não é a primeira vez que damos conta destas realidades de crianças em risco (abusadas de várias maneiras, não obrigatoriamente sexuais), a diferença desta vez foi que partilhamos vida com eles. tomamos pequeno almoço de pijama juntos, partilhamos tarefas diárias da casa, discussões, aproximações, jogos de mesa, castigos de canto, filmes de manta, videos de youtube, as casas de banho, os guardanapos de pano (que já sabíamos de cor), garrafas de fim de ano, embrulho de presentes de reis, caça ao caramelo e tanto mais.

e no fim de tudo como se resume? resume-se a cada um, ao que fomos e ao que trazemos de cada um e que fica para sempre nosso.

Ascen- uma tranquilidade e beleza parece fazer esquecer o caos. Não entra à primeira mas quando se aproxima quer conhecer-te bem. Apaixonada pelo zé, acabou correspondido.

Sandra P.- Morenita de olhos verdes incríveis, tem personalidade bem vincada mas derrete com qualquer mendigo de rua. Agradecida pelo que lhe dão e orgulhosa do que traz. Pede zumba logo pela manhã.

Stephi - Meiga até à ultima casa e com uma vontade incrível de agradar e de os agarrar. Eles não estavam nem aí mas ela não desistia de os querer apertar e mimar. Primeira voluntária em todas as tarefas e pede de tudo para depois dar aos outros. Guapa e guapissima/o faziam parte de todas as suas frases e comentárias. Coisa querida esta miúda.

Verónika - Tanto brinca com bonecas quanto se pinta de crescida para o reveillon. tem um sorriso meigo e chorava na noite que agradecíamos termo-nos conhecida. é doce de coração mas ve-se bem que tem muito amor ainda a haver. querida verónica vais ter tempo de crescer, e vais crescer bem.

Sandra C- a mais pequena das meninas, que usa totós e gosta de ténis com ródinhas. maria rapaz que quer ser mais rapariga mas não sabe se tem coragem. Furacão de emoções quando em stress e torcidita para chamar a atenção. Foi grande amiga do manel e pediu sempre que pode e em voz alta que voltássemos, nem que seja só por isso voltaremos. (é difícil a quem já perdeu tanto na vida pedir a alguém que volte sabendo que podem dizer que não).

Borja- Menino homem que foi largado à porta de casa das irmãs com 1 ano. tem asperger mas isso não importa nada, as pancadas e rotinas dele trazem tranqilidade aos outros e isso é tão bom de se ver. não tem fritanços mas também se assusta com multidões e num dos dias que foram passear ao centro comercial todos juntos fugiu da multidão. 30/45 minutos de panico de todos e uma task force incrível entre miúdos para encontrar o querido Borja. Dormem todos melhor com ele por perto e disso não há dúvidas.

Weslin- Sorriso de parar o transito e estatura de homenzão. Pareceu-nos a nós supertranquilo e na paz, as irmãs dizem que não, pode ser que esteja a mudar. Tivemos muito pouco com ele deu ara conhecer pouco mas conquistou desde logo o difícil Xavier. no fim da passagem dos reis agradeceu às irmãs tanto presente, disse que sabia não merecer tanto -não me vou esquecer tão cedo, pode ser que esteja mesmo a mudar.

Sebas - Escolheu a tania como preferida, percebo bem, eu também a escolheria all over again. Obcecado com bandeiras de países, adora mostrar e perguntar-te se sabes de onde é. tem 32 na sua coleção que estende em cima da cama e muda diáriamente por ordem alfabética. Vê-se que é um miúdo marcada pela vida dura e passado. custa-lhe multidões e grande confusões, agarrou-se à Tanica nesses momentos e sempre que pode. (se tiverem bandeiras em pano de qualquer país do mundo, apitem e fazemos-lhe chegar).

Luis- o mini da casa o maxi a mandar naquilo tudo. é o baby com tudo o que tem direito: birras e meiguice. Gosta de ver desenhos animados ao colo e mais de jogos de tabuleiro do que de balizas. Ficou delirante de partilhar cama e quarto com eles e foram só precisos 10 minutos para se tornar intimo do manel e zé. não me vou esquecer nunca da sua voz doce a atender o telefone à mãe e dizer em voz doce e mole que tinha estado de manha a rezar por ela na missa. 7 anos de miúda vida e muita mais e melhor ainda por viver.

Sobre as irmãs a dança é outra, um nível que ambiciono também para o meu papel de mãe, amiga e até mulher:
Irene - Responsável pela casa mesmo que não lhe tivessem dado esse cargo, é matriarca natural. Culpa de tudo e solução para tudo como todas as que estão nessa posição. Sentido de humor apurado e tranquilidade do conhecer e saber o que deve ser para cada um.

Rosa - a minha homônima e avó de todos. dedicada à cozinha onde punha amor e paciência em tudo o que fazia. perguntei-lhe se sempre quis ser irmã disse-me com a maior simplicidade que sim, que adorou os 72 anos da vida que teve até agora e não parece cansada disto, antes pelo contrário.

Carmen - Querida e sorridente foi a que conhecemos menos porque foi a barcelona a uma reunião que demorou alguns dias. Estávamos lá há menos de dois dias mas antes de sair fez questão de me oferecer todo o seu armário de casacos, se fossem necessários. muito querida e doce - curioso, realizo que tenho esse sentimento de tantos que lá estavam.

Rita/ritinha - a minha doce amiga com quem tinha estado tão pouco tempo na vida mas me tinha dito tanto. e confirmou tudo e muito mais. daquelas pessoas que quando ri, ri com o coração. transporta as alegrias de todos e está sempre atenta a tudo o que se possa passar ou fazer para melhorar vidas. tem gargalhada fácil e bem alta, braços grandes e compridos para abraços únicos e um sentido de despacho ao nível de super heróis. humildade de sentimentos mas grandeza de emoções. adorei estar contigo (mais tempo que nunca) e que os meus te conhecessem de perto. que continuemos sempre assim por perto uma da outra.

e se me perguntarem como foi, foi isto. coração quente 10 dias, ainda que com temperaturas negativas do lado de fora.

Obrigada queridos amigos espanhóis por nos receberem em casa e nos darem mundo.

1/05/2017

Incrível ou não?!

Fomos comprar bilhetes para o teatro. A Rita queria ensinar uma das miúdas a fazê-lo e por isso ela conduziu a conversa. Perguntou idades mínimas, descontos de grupos, lugares e preço, tudo certinho. Demos-lhe o dinheiro e sobrava um euro de troco, recolheu os bilhetes e o talão e devolveu o troco. Dei-lhe de volta o euro, chamei-lhe taxa de serviço e ela agradeceu. Dez passos à frente havia um mendigo na rua, ela não pensou duas vezes e deu-lhe.

Stop na historia e, como nos filmes, voltamos a 1 hora antes.
Decidimos que íamos convidar a criançada a ir ao teatro, não é um programa habitual e em vez de os enchermos de presentes que não sabemos se gostariam, daríamos experiencias de vida. Ideia validada e toca a comprar bilhetes. Enfiamos-nos as três no carro em busca da bilheteira perdida - por alguma razão divina a rita não encontrava o raio do sitio onde os bilhetes estavam à venda e no meu telefone só me apareciam resultados do brasil quando procuravas patrulha canina salamanca. Voltas e mais voltas e vamos pondo a conversa em dia. A sandra (15) não percebe português e eu tenho um espanhol que coitadinho por isso basicamente falava em português com a rita e nos intervalos íamos dando uns toques à Sandra sobre cenas da vida, telemóvel uma delas como é na vida de todos os jovens. Aparentemente está sem saldo e não pode ligar ao namorado, so aceitar chamadas, tem a semanada em atraso mas ta visto que mesmo que a tivesse em dia não chegaria, precisava de mais 5 euros. Ela não reclama com isso, sabe as regras estavamos só mesmo a conversar.

Nos entretantos em português a rita perguntava-me de onde vinha o meu gosto por causas sociais, se era de nascença ou não e como achava eu que se incutia aos nossos. Disse-me que o ano anterior tinha sugerido algumas acções de voluntariado às mais velhas mas ao mesmo tempo não queria impor. Afinal elas já moram com irmãs, numa instituição e usam roupa doada, chega de razões para exclusão social. A minha opinião e que se deve deixar a sementinha disto e do resto e cresce o que tiver força e os fizer felizes. Discutíamos isto e aquilo e finalmente chegamos à bilheteira.

Voltamos ao princípio e foi mágico. Depois da conversa e, quando a vemos afastar-se para se aproximar do mendigo,  olhamos uma para a outra e rimos. Grande gesto Sandrinha.

De volta à carrinha ligamos a outros dois que podiam precisar de boleia para casa e, sendo que estamos na rua, toca a saber. Outros dois entram, dois segundos depois a Ascem (14) vê da janela um sem abrigo e reclama que lhe custa ver gente a pedir nesta altura do ano com tanto frio, continuou e disse que devíamos sair à rua e dar comida a estas pessoas, a Sandra reforca ainda com um "e conertores". [Dois - zero em em menos de 15 minutos.]
Mais um sorriso entre nós e a promessa de tentar cumprir esta ideia.

Amanhã de manhã é o dia. Saímos à rua e vamos dar um lanche feito por elas às pessoas que encontrarmos na rua. 

Incrível ou não?!

1/03/2017

As primeias linhas de Salamanca

A ideia era ir escrevendo e descrevendo os dias para 1) mais tarde lermos e revivermos 2) partilhar convosco esta experiência; a realidade é que a experiência exige que digiras ambiente para que consigas escrever uma frase com sentido. Não sei se já cheguei a esse ponto mas vou tentar.

Estamos numa instituição onde vivem miúdos que foram retirados à família por estarem em situação de risco - seja ele qual for. Vivem cá 9 miúdos dos 7 aos 15, 3 rapazes e 6 raparigas. Alguns deles vão passar férias às famílias - a primeira das coisas que a mim me custa a digerir, se têm famílias capazes porque não tratam deles o resto do ano?! - outros ficam aqui, os três mais novos costumam ficar.

[As situações que trazem estas crianças até aqui é de tudo o mais difícil de digerir; partimos a cabeça a pensar como podemos compensar tudo isto e damos o melhor. Talvez nunca possamos mas amor vale sempre e são capazes de vir a ser bons e felizes, com tudo o que merecem na vida]

A casa ajusta-se para nos encaixarmos e dormimos todos juntos. Eu, o João e o xavier dormimos no quarto das irmãs (quarto de vigia da casa), a tanica, o manel e o zé dormem no quarto com o Luis. Dois colchões corridos no chão para os mais novos e a cama para a tanica crescida. Manel dormiu pela primeira vez em saco de cama e tem sido o delírio, tudo para ele é aventura e está a amar estar por cá. O luis é mais velho um ano e dão-se lindamente, entre o português e o espanhol brincam de tudo e com tudo. São a alegria um do outro. Das mais velhas tembém, brincam todos com todos. Nem o manel, nem o zé, nem o xavier estão como voluntários, eles estão  a ser o que são e como são e partilham isso com os de cá da forma mais saudável que a vida tem. Não perguntam porque estão aqui, ou porque é que é assim ou assado, entram no esquema e tudo o que querem estes dias é ser parte disto que aqui há. Para os de cá recebe-los com orgulho é ótimo, mostrar-lhes o que é deles e tudo o que foram conquistando. Ver que os nossos querem ter aquilo que eles têm. Sem saberem estão a ajudar-se a crescer.

De manhã o manel e o zé descem com o luis à caça do pequeno almoço, escadas abaixo e encontram uma irmã de braços abertos para isso tudo. Depois brincam que nem uns doidos até que o resto da casa acorde e todos juntos façamos alguma coisa juntos, estamos de férias é o que as famílias grandes de ferias fazem. Eu, o João e o xavier estamos em cura de sono e temos dormido quase 12 horas por dia. Lá para as 11h estamos listos e prontos para as atividades do dia. O João tem arranjado as bicicletas, a tanica organizado a horta e eu tou de braço direito ao que as irmãs mais precisem no momento. Ultimamente tem sido organizar presentes para a grande chegada dos Reis Magos no dia 6 - dia de receber presentes.

Hoje vamos fazer uma visita a um bairro social. Amanhã vamos todos ao Teatro e por aí adiante vamos vivendo com eles estas férias.

Tenho estado e conversado muito com a minha amiga ritinha. Ela partilha as "angústias"/alegrias de criar nove e eu as minhas de criar quatro. É giro ver que temos os mesmo medos e as mesmas alegrias. Queremos as duas dar-lhes o melhor futuro do mundo e principalmente ferramentas para serem felizes. É giro de ver e de sentir que ela, tal como eu, tem a vida que sonhou ter.

Ser irmã não é nada do que eu achava que seria em conceito. Os doces conventuais e as vidas só a pregar estão muito longe desta realidade delas no dia-a-dia. Mas conto-vos isso um destes dias com mais calma.

E ficam milhões de linhas com histórias por contar, talvez amanhã saiam mais linhas.