História de adoção #6






A ideia de adoptar uma criança foi falada entre nós ainda antes de casar e independentemente dos filhos que viéssemos a ter. Tivemos 3 filhos e depois do terceiro tive 2 desmanches o que nos deu que pensar, até porque eu ainda estava em idade fértil e não tinha tido qualquer tipo de problemas nem em engravidar nem durante as gravidezes. Foi a partir daqui que renasceu a ideia da adopção, que tinha ficado um pouco adormecida. 
Em 2010 falámos com os nossos outros filhos sobre o assunto, perguntámos o que sentiam e se estavam de acordo, pois eles já tinham 8, 10 e 12 anos. Pensamos que com estas idades, a decisão também tem de passar por eles, porque adoptar não é o mesmo que ter um filho biológico. 

Iniciámos então o processo com a Segurança Social, e tivemos que ir primeiro a uma formação, que é obrigatória e em que curiosamente a Segurança Social apresenta um quadro bastante negro acerca da vida com uma criança adoptada. A intenção não é má, penso que é uma forma de nos dizerem que uma criança que venha a ser adoptada não é exactamente igual a uma criança que tenha nascido e crescido numa família normal. Depois fizemos alguns testes psicológicos simples, e houve uma ou duas entrevistas com as assistentes sociais, em que fomos questionados quer sobre o nosso estilo de vida, hábitos familiares, as relações entre nós e filhos e entre estes, e visitaram a nossa casa. A ideia é por um lado perceberem se temos um mínimo de capacidade psicológica, económica e física. Não é que pretendam uns super pais, mas penso que seja mais para terem a certeza que não entregam uma criança mal. Além do mais, conhecer a família candidata ajuda as assistentes sociais a fazerem um matching entre a criança e o tipo de família. Nada deste processo foi pesado ou difícil, toda a relação com as técnicas da segurança social foi sempre boa, cordial e elas muito profissionais (no melhor sentido da palavra). 

Depois de termos sido considerados "aptos" para adoptar estivemos cerca de 5 anos à espera. Para nós era essencial que a criança fosse mais nova que o nosso filho mais novo e isso penso que é fácil de perceber porquê. Durante esses 5 anos não pensámos muito no assunto, no final estávamos quase para desistir, porque eu já tinha passado os 40 anos. Mas, eis que num belo dia, estava eu a trabalhar, recebi um telefonema da segurança social a perguntar se estaríamos interessados em conhecer uma menina, de 8 anos. Fomos à Segurança Social onde estivemos a ler um "dossier" da vida de alguém, sem nome e sem fotografia! Pedimos uns momentos a sós, só para confirmarmos entre nós que a vontade permanecia e de que forma a história daquela pessoa nos tocava. Quando demos a notícia em casa, foi uma festa! 

A Maria estava a viver numa instituição em Beja e era suposto irmos lá conhecê-la todos. Mas como estava a terminar o ano lectivo e eles estavam já com exames, pedimos 3 semanas, que foi também o tempo de dar uma reviravolta em termos de quartos e logística familiar, e contar à família e amigos, porque ninguém sabia! E no entretanto mandámos para a Maria, através da Segurança Social, um álbum com as fotografias da nossa família e mensagens. A Maria já tinha 8 anos e tinha sido já "preparada" para ser adoptada. Ela recebeu a notícia e o álbum cerca de uma semana antes de irmos conhecê-la. 

Nos dois primeiros dias fomos só o Pedro e eu e passámos os dias com ela. No terceiro dia foram lá ter os nossos outros filhos. Como a Maria é uma miúda espectacular, de uma alegria e de uma vontade de se superar enorme, claro que tudo correu maravilhosamente. É nossa filha há cerca de 3 anos e meio. Correr "maravilhosamente" não significa que não seja difícil, e que não tenha havido momentos muito duros, para nós, para a Maria e para os nossos outros filhos, na adaptação dela à família e da família a ela, sobretudo nos dois primeiros anos. Por exemplo, ela inicialmente partilhava o quarto com a nossa filha mais velha (à data, 17 anos), mas a relação tornou-se explosiva, e tivemos de fazer do escritório um quarto. Mas a vida é assim mesmo, também nós tivemos de nos adaptar um ao outro quando decidimos casar, e também tivemos de nos adaptar aos nossos filhos biológicos, e temos ainda de o fazer a cada momento que a vida passa, porque eles são eles, e vão crescendo e mudando. Nos primeiros meses, anos mesmo, não a sentia como filha, nem ela me sentia como mãe, apesar de me nos ter tratado desde o início como "mãe" e como "pai". Um dos nossos amigos, na altura, disse-nos que não era capaz de adoptar porque tinha a certeza de que não conseguia sentir o mesmo amor que sentia pelos seus filhos biológicos, Eu não penso que "sentir" a criança como nosso filho seja condição para se adoptar. Os sentimentos de pertença, de confiança, de saudades, são apenas uma consequência de uma relação que nasce e se fortalece com a entrega diária da nossa vida, pela paciência, pela perseverança e pela firmeza com que se constrói a relação e, sobretudo, com a consciência de que não somos perfeitos, muito pelo contrário, estamos sempre a falhar. Mas isso acontece com qualquer relação. Também estamos sempre a falhar na relação com os outros filhos, e isso não retira nada ao valor do amor que lhes temos. Outra das perguntas que nos fazem com alguma frequência é se ela conhece os seus pais biológicos e como faremos se ela os quiser procurar. Ela conhece os pais biológicos, sabe perfeitamente quem são, e quer voltar a ver a mãe. Isto não é meramente um risco, é uma certeza. Quando isso acontecer, sabemos que nos vai doer, mas é algo com que temos de conviver e para que nos temos de preparar (e se calhar até ajudar…). 

O amor pressupõe sempre, mas sempre, o respeito pela liberdade da pessoa que amamos, e tem riscos, e claro que neste momento temos de a impedir de procurar a mãe porque esse encontro seria muito nefasto, sobretudo para ela, que se está a construir interiormente, que está a fazer uma aprendizagem sobre relações de amor, sobre vínculos familiares, sobre projectos para o seu futuro.  

Gostaria de partilhar o facto de todo este processo ter sido fundamental no crescimento dos nossos outros filhos, na consolidação das suas relações, forçou-os a lidar com sentimentos totalmente inesperados, a ver a vida de uma forma diferente, e sobretudo a aprender que o "próximo" que nós somos chamados a amar e o que às vezes é mais dificil, não é tanto o pobre que nos bate à porta uma vez por semana, é mesmo o próximo, aquele que está connosco todos os dias, que está no nosso espaço, e  cujos defeitos, manias, imperfeições se revelam todos os dias e que devemos de aceitar.

Rita, Lisboa




 *estas mães partilham as suas historias para sabermos todos mais sobre o processo e as suas emoções. as historias variam de família para família, como nos nascimentos. não é tudo um mar de rosas, e é preciso aprender a ser   e pai e filhos. no fim do dia dizem que voltariam a repetir. edito ao minimo a conversa que tiveram comigo. gosto de manter nas linhas a identidade da história.

Comentários

Mensagens populares