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9/12/2021

fase de aceitação


Ou talvez lamber as feridas.
Quando tudo aconteceu achei que era importante levantar-me e ter a certeza que poderia andar, correr e dançar outra vez. Que conseguia isso por ela, por mim e por nós. Que isso valeria tudo, e vale.
Ainda gosto de levar os vestidos da mãe a casamentos na sensação que a levo comigo a dançar, ainda tantas coisas com tanta alegria acontecem e espero que não parem nunca mas este ano foi mais duro: foi um ano de aceitação.

No limite de tudo o que vivemos, ou se calhar mesmo sem isso teria acontecido: foi ano de ver com muita clareza tudo o que sem ela deixamos de ter. Que se perdeu para sempre mas eu até aqui nem queria pensar. São buraquinhos e buracões onde custa passar, fazemos pontes, mas vai sempre faltar o ar quando lá voltarmos. A vida evoluir, mudam-se as paisagens mas não os disfarça todos. Tenho medo de um deixar de ouvir a voz da mãe e as sabedorias do caminho. Tenho medo de não conseguir digerir estes buracos que nos tiram espaço.
Foi muito preciso cair em todos eles para aprender a passar de outra maneira. Foi um verão l, talvez um ano disso. De chatear amigas até a medula com historias que denotam este coração triste. Foi tempo de lamber feridas para aprender a viver cada vez melhor com elas.
Achava que se conseguia sempre ver o bom e positivo em tudo, às vezes de facto não. Não somos todos sempre felizes nas curvas, esta foi apertada mas já passou. Ficará sempre comigo mas penso trocar pelas voltas na pista a dançar pelas duas.

No fim do mês já lá vão 3 anos. 3. Não sei se cheguei ao fim da suposta lista de fases, na verdade nem a li mas no fim do verão realizei que estamos na rectinha final desta aceitação. há coisas que nunca serão como dantes, vai fazer sempre falta onde dói e nos mesmos sítios com outras pessoas vai muitas vezes parecer que falta alguma coisa importante, que goste de nós como nunca ninguém gostou.

Temos saudades mãe e ainda não sei como se aguenta uma vida sem si mas aprendemos juntas.



1/06/2019

quando a vontade é pegar no telefone e ligar

Diziam que as festas iam ser duras, não achei tão mau. Mas quando se vão os foguetes e a poeira acalma bate uma saudade do tamanho do mundo.

Dou por mim à procura de qualquer coisa que dê para ligar e falarmos. As conversas de sempre. Contar da agitação do Natal e dos presentes que recebemos. Um por um. As novidades destes e daqueles que acabamos por saber quando estamos todos juntos e dos ânimos. Aqueles que pareciam mais tristes ou cansados e dos outros cheios de planos para casar e ter filhos. Contar que tantas amigas e amigos seus me mandaram mensagens e ligaram. Que foram tão queridos. A tia Madalena encher-nos de presentes nem imagina o amor. Contar dos dias de troia e da passagem de ano. Que não percebia bem porque queria tanto aquela casa mas agora percebo tudo. Que tivemos com os seus amigos e nossos também. Que foi calmo e tranquilo mas muito bom. Caseiro diz o tio, foi perfeito. O Lourenço acabou por se juntar e que tomaram banho no primeiro dia do ano. 
Contar que a casa continua com remendos mas já tiramos notas para melhorar tudo o que estava pendente. Que os miúdos adoram aquilo e têm lá os amigos como a mãe pensou. Contar que o tio tá bem, deve ter umas saudades infinitas mas está bem. Veio morar para perto de nós e estamos muito muito contentes. Trouxemos tudo da outra e parece uma mini réplica à dimensão certa. Com vista para este jardim e para a árvore da avó que tem crescido mesmo bem mãe. Que parece tudo alinhado e estamos contentes com isso. Não quero ser a vizinha chata mas gosto mesmo de estar perto.

Contar que fomos à consulta dos 2 meses do martim e está finalmente tudo bem. Que quando o médico disse que tinha sido mesmo atribulado quase me ri por não ter sido a única a achar. Ele que vê tantas coisas e tão complicadas acabamos a concluir que realmente só nos calham especialidades. Mas está tudo bem. E apesar dos sustos temos muita sorte.
Contar dos manos. Aqueles nossas conversas semanais em que falávamos 20 minutos sobre o que nos preocupava em cada e o que fazer. Agora não sei bem como continuar essa parceria, tenho falado com a tanica. É difícil saber se estão mesmo mesmo bem mas vamos seguindo, sabemos que no fim o caminho é deles e vai correr bem. Puxando uns cordelinhos daí acho que pode ficar descansada.

Dizer-lhe que o xavi andou uns dias muito preocupado que tínhamos de ir ao céu salvar a avó de planetas e monstros. Que ela não podia ficar lá morrida tínhamos de lá ir. Que é tão querido ver a falta que lhes faz e o quando a querem aqui mas ao mesmo tempo sou pequenina como ele e me custa realizar que não vai voltar.
Que voltaram à escola e o João ao trabalho e estamos na vida de licença que achei que passaríamos juntas. Amanhã desfazemos as últimas coisas da casa velha, temos de tirar tudo e levo tanta roupa sua. outras demos às suas amigas e ficaram tão contentes. Temos de falar desta quantidade de coisas ritinha. O João diz que não vai caber la em casa mas há coisas que quero mesmo guardar para sempre, mesmo que não me fiquem tão bem. 
Queria perguntar como fez quando morreu a avó, sabendo que não se preenche este vazio, gostava mesmo de saber das suas estratégias. Escreveu no.livro que lhe dei para me deixar conselhos mesmo importantes para a vida? Já virei tudo e não o encontro. Onde estava?

Tenho saudades mãe. No fundo é isso. 

Ah e acho que este Martim vai ser a sua cara. Já achava gravida. É claro que na eco 3d que viu não se via nada ainda mas eu acho agora. Se calhar não é mas eu gosto de acreditar que sim.

Vamos falando.

10/18/2018

a velocidade a que cai uma ficha ou temperatura a que o coração mirra

ontem a pi perguntava-me se já nos tinha caído a ficha. não sei, acho que vai caindo disse eu. não sei o que se espera quando ela cai nem quando ela vai caindo por isso é difícil perceber em que ponto estamos.

estamos tranquilos, as vezes um bocadinho tristes mas no geral a voltar à vida habitual. (ui que até rimou).

contar-vos que contámos aos miudos no fim das festividades para podermos estar presentes e segurar aqueles corações com medo. que afinal até decidimos antecipar para antes de irmos todos juntos deitar as cinzas ao mar para que, principalmente o manel, pudesse ver qualquer coisa acontecer e não ser só um vazio. contar-vos que respirei fundo para não chorar a dizer-lhe e expliquei que a avó estava cansada demais, com muitas dores e muito fraca e pediu para ir para ao pé do pai de da mãe dela no céu. que ele ouviu com atenção e perguntou claramente se tinha morrido, disse que sim e ficámos só abraçados 30 minutos que me pareceram milhões.

aos outros explicamos o mesmo mas com o detalhe mais afincado que era agora uma estrela no céu, diz que facilita a concretização. o zé olhou para nós e constatou que a sua avó já não estava doente, foi à moldura e deu um beijinho. o xavi foi desde logo a janela procurar a avó no céu, em formato de estrela ou o que fosse que tivesse uma cara conhecida, voltou indignado que não estava e o manel rematou com um "quando olhas tens de ver dentro do teu coração". derreteu o meu, o manel percebe e verbaliza o que torna tudo mais facil. talvez ajude a cair a tal ficha com maior velocidade.

a tanica tem focado toda a sua energia em garantir a minha. acho que fiz o mesmo quando morreu a minha avó, depois sozinha chorei. não sei se o faz mas imagino que sim, e que tenha medo como tive mas a vida vai ensinando que se segue e se continua feliz.

achava meio que injusto estar triste quando morreu a minha sogra, o que era a minha tristeza ao lado da do joão que tinha ficado sem mãe?! o espaço que havia era mais para garantir que ele se encontrava naquilo tudo. esse processo tão duro dele e nosso ajudou muito neste meu e nosso processo agora. não era o que queríamos, nem o que desejávamos, nem o que às tantas esperávamos mas foi o que foi e não podíamos ter feito mais e por isso estamos tranquilos e de volta à vida que queremos e nos faz feliz.

vem aí um novo baby, este fenómeno simultâneo de nesting e grieving é meio marado mas de alguma maneira obriga a saber o caminho. a minha mãe era fortíssima no nesting e era uma coisa muito nossa. ela tratava de todas as roupas e quase que inventava listas para prepararmos as duas e temos tudo pronto para os receber. tudo lavado à mão, passado com o rigor do melhor casamento e arrumado em gavetas perfumadas que eu achava que não tinha mas acabávamos por descobrir sempre espaço. nestes últimos meses fomos falando de onde por isto e aquilo e berços e tudo mais. faltava lavar os quilos de roupa que trazíamos de gerações: o cueiro feito pela avó amarelo porque não sabíamos o que aí vinha (eu), ou verde água, coisas dos manos, coisas de todos que a mãe guardou, a primeira camisola que cada um vestiu, a conjugação de kits e no fim era sempre preciso mais collants que não se sabe como desaparecem ou alargam ou ficam velhos. detesto arrumar roupa mas gostava de alegria que isso lhe trazia e sendo que fazia tudo ficava ao lado a adorar.
desta feita deixei tudo isso para ultimo, porque continuo a não gostar menos ainda quando me lembro da alternativa. mandei tudo para casa da minha mãe, sua empregada rigorosa ia repetir o ritual longe dos meus olhos e depois eu de coração lavado arrumava nas tais gavetas forradas numa cómoda comprada pela mãe por poucos escudos na feira da ladra.

ontem fui ver o estado da coisa, até porque as tantas preparamos roupas de festim mas precisamos de ter um desenrasca para se ele decidir nascer daqui a nada. dei comigo e a liliana tinha posto tudo o que eram lãs na maquina de lavar e secar. coração mirrado como aquela roupa que não cabe a ninguém. tudo amassado. tudo pelo cano abaixo. sobram coisas menos boas ou com menos historia, e coisas de linha de verão que não são tão sensíveis a altas temperaturas.

por isso ou pela ficha chorei horas a fio. pelo que sei que não vou ter mais. todo este caminho que faziamos juntas faço agora sozinha, está tudo bem, é a vida mas custa não ter mais ninguém que conheça a dimensão das contrações quando elas surgem (as enfermeiras saberão mas sendo que também são elas que fazem o toque podemos considerar meio que inimigas naquela fase), que explique que o tenho não é vontade de ir à casa de banho é uma cabeça no caminho de saída e que no fim perceba o misto de alegria e exaustão com a pequena grande vida da qual nada sabemos mas vale tudo em nossos braços.

e é isto. a roupa está de molho em amaciador a ver se desmirra. a roupa e o meu coração. ele vai nascer nú na mesma e está tudo bem. nesse mesmo momento sentirei com todas as certezas que não estou sozinha.




10/11/2018

o fim da historia que nunca terá fim

contei-vos o caminho. não tenho obrigação mas por tanto apoio e amor que recebi desse lado quero partilhar as reviravoltas que levaram ao inesperado.

em janeiro tivemos as noticias que o cancro tinha espalhado e por isso iamos perder a nosssa querida mãe em 6-9 meses.
em março soubemos que afinal o que parecia ser cancro pela coluna abaixo era uma infecção lixada que dum bicho que apanhou nos primeiros dias que teve em Sta Maria. uma tal de Eklipsela (ou como se chama). 
mudámos do fim do mundo para o mundo afinal tem cura e por isso vamos apostar tudo nisso. a mãe tinha esta infecção nas costas há sei lá quantos meses, ninguém nos sabia dizer mas sabiam que tinham já ido 3 discos à vida. foi operada 2 vezes, tudo para acabar com a bicha. em paralelo fazia antibioticos aos litros, mesmo quando teve em casa maio e junho fazia 1x ao dia intravenoso.

em junho tivemos ok para ir para espanha fazer autotransplante e rematar a historia do linfoma, aquele a que chamavamos por brincadeira fenisga.* fomos de armas e bagagens, achámos que prontos para o que aí vinha. acontece que quando chegámos as costas continuavam piores e eles não quiseram arriscar sem confirmar mais uma biopsia à possibilidade de ainda ter a tal eklipsela. o cenário que menos queriamos confirmou-se e foram precisos mais 9 semanas de antibiotico para acabar com ela.

9 semanas de internamento, em isolamento. o que significa que cada vez que entrávamos no quarto tinhamos de por bata, luvas e mascara. deixamos de por rapidamente mas os médicos faziam-no religiosamente. não podia circular livremente no hospital e tinha tudo "com pinças". era a última a fazer rx para limparem a sala por exemplo.
a meio de junho começou a ver em double e ninguém dormiu bem até fazer no PET e não se ver nada. passou a ser só um efeito colateral de algum remédio e respirámos. no fim de julho num dos exames de rotina aparece um risco marado no cerebrelo, nada a ver com o sítio do linfoma original, linfoma esse aparentemente curado. dias depois de colheitas de líquidos raquidianos e mil exames viemos a saber dia 6 de agosto que não passava de mais um susto, diziam eles, não sabiam ao certo o que era mas estava estável e parecia não interferir no estado geral da mãe. assumiram um mini avc ou trombose ou cicatriz de guerra e voltamos a respirar.

continuamos com o plano do antibiotico com vista a um autotransplante que, apesar de assustador, nos parecia um sonho, a luz ao fim do túnel.

a meio do mês novos exames e a cena no cerebrelo tinha aumentado contra todas as expectativas. os médicos mais xptos do mundo não sabiam o que seria e toca a fazer mais uma batolada de exames. dia 21 de agosto chega o veredicto e de entre as 3 opções dizem-nos que deverá ser a mais fácil (a melhor e a que tinha tratamento): inflamação (descartamos cancro e infecção). voltamos a respirar mas por poucos dias sendo que o tratamento para a tal inflamação era de uma agressividade imensa. a mãe levou com doses cavalares de corticoides durante 5 dias, estava num misto de exaustão e excitamento pelo remédio. foi uma sova, coitadinha.

esperámos os dias que manda a receita (quando fomos a San Sebastian e biarritz) e novos exames para ver o que se passava com a tal cena. surpresa das surpresas: aumentou. ficou tudo sem saber o que pensar nem dizer. os médicos estudaram tudo o que sabiam e não tinham a certeza de nada. as costas pareciam finalmente limpas da tal bicha e essas eram as boas noticias que nos agarravam ao suposto autotransplante e tentávamos não pensar no resto até que tivessem uma solução. no meio de tantas curvas já não dava para perceber bem a gravidade do que poderia ser.
Para confirmar que a infecção tinha acabado precisávamos de 15 dias sem efeito de antibiotico.

assim foi, a mãe precisava mesmo de vir a casa recuperar energia e a sanidade que a vida intensa de hospital tava a levar. veio para lisboa os prometidos, 15 dias de pausa. todos os dias estava melhor da cabeça em termos de baralhação e exaustão de hospital, mas todos os dias ia perdendo mais movimentos e coordenação. era difícil de assistir, o coração não queria acreditar. ao mesmo tempo fizemos de tudo para que aproveitasse o tempo em casa, que tanto desejou.

teve com tantos amigos, familia e tudo o que é bom em casa voltou. 9 horas de viagem e chegou muito muito fraca. muito mais fraca do que qualquer médico esperaria, fomos directos à urgencia sabendo que não viriam daí boas noticias. os dias seguintes foram de muito medo e ansiedade, a mãe ficou entretanto inconsciente. ao mesmo tempo que era bom pensar que não estava a sentir nada daquilo era horrivel imaginar que nunca mais iriamos poder falar com ela, não nos iamos poder despedir. O manel fez anos dia 24 e ela por milagre acordou com o maior sorriso e pudemos falar e trocar sorrisos. dia 25, nos meus anos, soubemos que depois de tudo sabiam agora que era um novo cancro (impossivel de saber qual por ser numa zona impossivel de biopsar), que não havia solução, havia só pouco tempo. foi o dia mais triste do ano, o dia em que todos me mandavam mensagens de parabéns. ao mesmo tempo a minha ritinha lutadora voltou a abrir os olhos e festejar comigo e connosco. e assim foi até lisboa e depois em lisboa nos seus ultimos 2 dias. 

agora quando me lembro assim de repente desta história lembro-me da cara assustada da mãe há um ano e 2 meses quando soubemos que tinha um linfoma. lembro-me de ver nos seus olhos que não sabia como ia ser, que tinha medo mas que ia lutar. essa mesma cara e todo o amor que nos deu e nos fez querer estar e ser presentes com ela neste caminho que inevitavelmente fez tantas vezes sozinha.

foram meses de muito sofrimento e dor para ela, para todos, mas principalmente ela. 
foram meses em que nos agarrámos a todas as alegrias e que ela sempre tentou aligeirar com humor. demos o nosso melhor para que sentisse sempre a nossa companhia e o nosso amor. não acabou como queriamos mas a vida é assim e não acontece só aos outros. há que aceitar. tivemos a sorte de ter muitos anos muito bons.

os médicos todos foram incriveis a explicar como não podiam saber que o resultado seria este. todos choraram na sua despedida de espanha. 20 estrelas para a clinica universitária de navarra, não conseguiram acabar com o problema mas deram de facto o seu melhor e deram tudo o que podiam pelo conforto da minha querida mãe. na altura em que começou a ver a dobrar já devia ser isto mas não havia como saber: as imagens estavam limpas. depois o primeiro risco no fim de julho foi avaliado de todas as maneiras possíveis e deu sempre negativo. o mesmo para meio de agosto. resta aceitar que há limites para o que conseguimos mudar e viver bem com isso.

e foi assim a história da doença da mãe. não foi nem será o mais marcante da sua vida. ficam as tantas pessoas que tocou no caminho, os milhares de amigos, a família grande e nós os filhos, netos e querido marido.

daqui seguiremos sempre no caminho de ser feliz, alegres e aproveitar a vida como ela tão bem sabia: cheia de amor! 

*porque era preciso o autotransplante se já nao tinha linfoma? para não reincidir. estava em paralelo a tomar imbruvica para prevenir reaparecimento e estava tudo top em termos de indicadores.

1/31/2018

Status destes dias junto da minha mãe

Acordo como todos os dias, atrasada. Visto a criançada, mochilas e distribuição por escola ou terapia, conforme o dia.
Se fica difícil entregar todos a horas deixo uns pelo caminho e passo depois a buscar. Ter uma tânica em casa tem estas coisas boas. Isso e poder comer uma torrada inteira à segunda volta.

Depois venho para casa da minha mãe. O Lourenço, que se mudou para cá agora, fica à espera que eu chegue para sair. Ou o tio. Vemos como está de dores e bem estar e atacamos das melhor forma para maximizar esses dois fatores. Depois orientamos agenda de acordo.

Com tantos amigos e família a ginástica passa por combinar almoços/lanches para que a mãe tenha companhia e veja pessoas diferentes todos os dias. Ajudamos a orientar comes e bebes e ficamos por cá a ajuda-la a gerir emoções e cansaços.

As amigas e amigos que vão e vêm trazem sempre coisas boas. Trazem novas conversas, trazem capacidade de ouvir e há até que se sente ao pé dela a contar historias antes das sestas para ela adormecer embalada.

Às vezes saímos, sendo que mais que 2/3 horas é esticado para a mãe, sempre que podemos aproveitamos o sol, um bom peixe grelhado ou vamos aos afazeres de bancos e médicos.

Trabalho de casa sempre que ela está entretida e sem dores. Tenho uma equipa extraordinária que me ajuda a que isto seja possível e tem a paciência de esperar por mim ou levantar o dedo quando precisam que invista. Às vezes vou a reuniões na minha querida EDP e nessas alturas deixo alinhado com os meus irmãos o plano para que não fique sozinha e tenha a quem pedir o que sozinha pode não conseguir.

Ao fim do dia volto para casa e os miúdos nem percebem que não estou fisicamente no escritório. a minha tanica sabe tudo e tem mais paciência com a minha falta dela.
Apesar de efetivamente trabalhar menos sinto-me 10x mais cansada. Não tenho explicação para isso mas acontece.
Ajudar alguém a viver melhor é sem duvida um privilégio mas é duro quando nos sentimos e somos impotentes a evitar sofrimento.
Começa agora um caminho que terá isso de duro e dias muito difíceis. Continuo agradecida por poder acompanhar e trazer toda a alegria possível a esta fase da vida da minha mãe e nossa.

Sermos uns dos outros significa também isso, e é do melhor que temos nesta vida.


9/12/2017

Paciência [que não tenho]

Um dos efeitos disto tudo em mim é a falta de paciência.
Temos de empenhar tanta em esperar por resultados, pelo médico, pela hora da visita, pela fase seguinte e por tudo. E quase que fico seca para o resto.

Uma parte do resto são banalidades. Outra parte são essenciais que também não têm a culpa e custa falhar-lhes a eles. E parece que se torna num efeito bola de neve.

Todos nos dizem, e sei bem, que é uma prova de esforço, que o percurso se faz caminhando e que é preciso tempo. Todos querem ajudar e todos querem saber. E esses todos ás vezes de tanta ajuda acabam por nos quase sufocar. Se calhar se não dissessem nada ia sentir o contrário. É a tal fase em que estamos sempre insatisfeitos, até que o feito se satisfaça.

Os miúdos querem colo e atenção e eu impaciente ando a fugir deles. A minha tanica tem sido assoberbada de tudo o a que eu não consigo chegar. E o joka esse coitado tem de me aturar e de avaliar a cada momento o mood certo. Nem sempre acerta, nem eu.

No meio disto a tanica tirou a carta e não fiz um festão. O manel tá em delírio e eu tenho reagido apaticamente a todas as emoções. O zé pela primeira vez na vida fica a chorar na escola e eu finjo que não percebo bem. O xavi, por estranho que pareça, parece o menos destabilizado no meio da maralha.

Já passamos por isto há uns anos, mas era a mãe dele. Não tínhamos filhos, tínhamos o manel no forno. Tínhamos mais tempo para dedicar às incertezas do caminho. Agora há pouco disso.

Parece injusto que tenha de prejudicar alguns dos meus. Já chega o problema em si.

Não somos os primeiros nem seremos os últimos a passar por isto. talvez nunca se venham a lembrar eles. Não é drama e vai-se resolver, mas fica o desabafo deste tempo do verbo mais que imperfeito.


8/25/2017

Há uma semana o [meu] mundo desalinhou

Sabiamos que a minha mãe andava em baixo de forma sem os quilos de energia habitual. Não sabíamos que o problema era do tamanho duma nêspera e estava dentro da cabeça a virar tudo do avesso.

Um enjoo da cabeça aos pés quando ouves a notícia. Uma confusão geral ao mesmo tempo que procuras sanidade para saber qual o próximo passo. Desligo as emoções para tentar ver o caminho e parece-me muito razoável realizar que há soluções e arregaçando as mãos, e virando o mundo se preciso, encontraremos uma solução e não passa de um susto.

Tem sido assim os dias nesta semana de terror. Não sabemos ainda nada de muito concreto e parece que estamos sempre á espera: à espera da consulta, da biópsia, do tac, dos resultados, da hora da visita da  hora de a ver outra vez em casa, ao pé de nós.
Temos ficado todos juntos a digerir e ajudarmo-nos a encontrar caminho. Não tenho muita vontade de contar ou de falar disto com ninguém. O tom de preocupação escala a minha ao nível maximo, nivel do qual não consigo baixar tantas vezes como queria.

No meio de tudo isto tínhamos o Martin e os anos do meu Zéia. O Martin teve se seguir para onde lhe pudessem dar atenção agora, dia difícil esse em que tivemos de o deixar e sentir que ficou perdido. Voltei com à Tanica, as duas de coração partido a repetir tantas vezes quantas podíamos que era o melhor para todos agora, que tinha de ser.

Depois os anos do ze no dia a seguir à minha mãe ficar pior pela primeira vez. A vontade de festejar era nula mas sabia que por ele e por ela tinha de acontecer. Ela já estava triste o suficiente por não estar e ele andava há dias a sonhar com o bolo balões e afins e por isso fizemos o que tinha de ser feito. Os meus irmãos tiraram o dia para me ajudar e todos juntos festejamos esta alegria de vida que é o meu Ze magia. E aquele olhar que me traz tanta tranquilidade sempre.

De há uma semana para cá não tem havido tréguas emocionais e andamos todos de ansiedade à flor da pele. Amigos, irmãos e filhos mas ansiosos e preocupados pela mãe.

Os palpites sábios dos médicos dizem que pode ser dos que cresce rápido mas vai à vida com relativa facilidade. É a esses que nos agarramos até termos mais alguma coisa.

Peço desculpa a quem tou a dizer por aqui mas a verdade é que é mais fácil para mim. Não há nada a esconder mas a verdade é que não há muito mais a dizer. Acho que vai correr bem, acho mesmo. Sei que o caminho vai ser duro e quero ficar a minha energia nisso e na estabilidade dos meus e minha.

Peço que não liguem a saber do que não sei dizer e que não resuma todas as conversas que temos a isto. Não nós sai  da cabeça desde que acordamos até que nós deitamos e mete-Se entre sonhos e vontades. As conversas de sempre fazem-nos bem.

Há por aí tantos bons exemplos de sucessos destes e ainda maiores. Falem-me desses e sempre que possível dou notícias.

A quem reza uma Avé Maria cai sempre bem. A quem manda energias também estamos a receber e a quem só torce pedimos que torça também por nós.

A vida é isto. E como diz uma das minhas sabias tias: há tristezas que não podemos evitar por isso evita todas as outras.




1/03/2017

As primeias linhas de Salamanca

A ideia era ir escrevendo e descrevendo os dias para 1) mais tarde lermos e revivermos 2) partilhar convosco esta experiência; a realidade é que a experiência exige que digiras ambiente para que consigas escrever uma frase com sentido. Não sei se já cheguei a esse ponto mas vou tentar.

Estamos numa instituição onde vivem miúdos que foram retirados à família por estarem em situação de risco - seja ele qual for. Vivem cá 9 miúdos dos 7 aos 15, 3 rapazes e 6 raparigas. Alguns deles vão passar férias às famílias - a primeira das coisas que a mim me custa a digerir, se têm famílias capazes porque não tratam deles o resto do ano?! - outros ficam aqui, os três mais novos costumam ficar.

[As situações que trazem estas crianças até aqui é de tudo o mais difícil de digerir; partimos a cabeça a pensar como podemos compensar tudo isto e damos o melhor. Talvez nunca possamos mas amor vale sempre e são capazes de vir a ser bons e felizes, com tudo o que merecem na vida]

A casa ajusta-se para nos encaixarmos e dormimos todos juntos. Eu, o João e o xavier dormimos no quarto das irmãs (quarto de vigia da casa), a tanica, o manel e o zé dormem no quarto com o Luis. Dois colchões corridos no chão para os mais novos e a cama para a tanica crescida. Manel dormiu pela primeira vez em saco de cama e tem sido o delírio, tudo para ele é aventura e está a amar estar por cá. O luis é mais velho um ano e dão-se lindamente, entre o português e o espanhol brincam de tudo e com tudo. São a alegria um do outro. Das mais velhas tembém, brincam todos com todos. Nem o manel, nem o zé, nem o xavier estão como voluntários, eles estão  a ser o que são e como são e partilham isso com os de cá da forma mais saudável que a vida tem. Não perguntam porque estão aqui, ou porque é que é assim ou assado, entram no esquema e tudo o que querem estes dias é ser parte disto que aqui há. Para os de cá recebe-los com orgulho é ótimo, mostrar-lhes o que é deles e tudo o que foram conquistando. Ver que os nossos querem ter aquilo que eles têm. Sem saberem estão a ajudar-se a crescer.

De manhã o manel e o zé descem com o luis à caça do pequeno almoço, escadas abaixo e encontram uma irmã de braços abertos para isso tudo. Depois brincam que nem uns doidos até que o resto da casa acorde e todos juntos façamos alguma coisa juntos, estamos de férias é o que as famílias grandes de ferias fazem. Eu, o João e o xavier estamos em cura de sono e temos dormido quase 12 horas por dia. Lá para as 11h estamos listos e prontos para as atividades do dia. O João tem arranjado as bicicletas, a tanica organizado a horta e eu tou de braço direito ao que as irmãs mais precisem no momento. Ultimamente tem sido organizar presentes para a grande chegada dos Reis Magos no dia 6 - dia de receber presentes.

Hoje vamos fazer uma visita a um bairro social. Amanhã vamos todos ao Teatro e por aí adiante vamos vivendo com eles estas férias.

Tenho estado e conversado muito com a minha amiga ritinha. Ela partilha as "angústias"/alegrias de criar nove e eu as minhas de criar quatro. É giro ver que temos os mesmo medos e as mesmas alegrias. Queremos as duas dar-lhes o melhor futuro do mundo e principalmente ferramentas para serem felizes. É giro de ver e de sentir que ela, tal como eu, tem a vida que sonhou ter.

Ser irmã não é nada do que eu achava que seria em conceito. Os doces conventuais e as vidas só a pregar estão muito longe desta realidade delas no dia-a-dia. Mas conto-vos isso um destes dias com mais calma.

E ficam milhões de linhas com histórias por contar, talvez amanhã saiam mais linhas.